ROMA – A crise russo-ucraniana produziu um quadro político internacional mais sensível desde os tempos da Guerra Fria, com acções e reacções de ambas as partes caracterizadas no limite entre o Soft Power e o Hard Power: O impeachment contra Yanukovich precipitou a Rússia a ocupar a Crimeia, enquanto o Ocidente (UE/EUA) viu-se literalmente confrontada a impor-lhe sanções económicas. Nestas linhas, percorreremos os meandros desta tensão, cujas última parte (terceira parte,sobre os cenários), e a primeira foram já aqui publicadas.
O impeachment do parlamento ucraniano contra Yanukovich. Do mesmo modo que o alerta de vice ministro russo Rogozin fazia prever o realinhamento da Ucrânia a Moscovo, cuja não assinatura de AAs prenunciava a provável adesão daquela à União Alfandegária euro-asiática com a Rússia, a Bielorrússia e o Cazaquistão, as manifestações à Praça Maidan começaram também antes do início da Cimeira da Vilnius, a 21 de Novembro de 2013, como uma simples manifestação de contestação ao facto de governo de Yanukovich ter cancelado os preparativos de assinatura dos referidos acordos. A mudança de tonalidade acontece, contudo, em Janeiro, quando finalmente os manifestantes não só exigem o realinhamento com a UE, mas também deposição de Yanukovich a quem acusam de violação de direitos humanos, de brutalidade contra os manifestantes (como a que teve lugar a 18 de Fevereiro),e de corrupção. A dimensão desta manifestação, segundo a analista, Lilia Shevtsova, investigadora sénior do Carnegie Moscow Center, não era esperada pela própria UE, e manda igualmente uma forte mensagem aos regimes autocráticos da região, como o da Azerbaijão.
No seguimento das manifestações à Maidan e em outras cidades ucranianas,cujo movimento EUROMAIDAN ganhava cada vez mais apoio e visibilidade internacional e contornos de confronto directo entre as forças policiais e os manifestantes, a 21 de Fevereiro de 2014 foi assinado um acordo entre o então presidente Yanukovich e as principais figuras dos partidos à oposição: Vitali Klitschko, Arseni Yatseniouk e Oleg Tyagnibok, e pelos ministros da relações exteriores da França, Laurent Fabius; da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier; e da Polónia, Radoslaw Sikorski, na qualidade de observadores e organizadores de acordos.(8)
Rússia ocupa a Crimeia. Ocidente condena. É o início do confronto Este-Oeste no limite entre Soft Power e Hard Power. Assinatura dos acordos de 21 Fevereiro de 2014, legitimados pela presença de ministros das relações externas da UE, não serviram senão para aumentar o clima de instabilidade a Ucrânia, uma vez que foi justamente no dia seguinte ao da assinatura destes acordos que o Parlamento Ucraniano, com 328 votos, aprovou uma monção de impeachment contra o Yanukovich, acusando-o de crimes contra a humanidade, ou seja, de violação de direitos humanos do povo ucraniano, ao que o próprio Yanukovich terá replicado: «É em curso um golpe de Estado semelhante a crise política verificada na Alemanha, com a subida ao poder de nazistas, não pretendo demitir-me e tenho o apoio da comunidade internacional».
Enquanto Yanukovich enchia o seu ego de optimismo e sonhava com apoio de uma comunidade internacional só por ele conhecida, a verdade é que tomava corpo um novo governo na Ucrânia: é indicado Primeiro-Ministro ad interim Arseni Yatseniouk; Oleksandr Turchynov, presidente do parlamento e, pela constituição, presidente ad interim; enquanto Arsen Avakov foi nomeado ministro do interior, nomeações consideradas ilegítimas pelo deposto presidente. Curiosamente, estas duas últimas figuras são muito próximas a Yulia Tymoshenko, inimigo político número de Yanukovich, que torna em liberdade depois de ter sido condenada em 2011 a 7 anos de prisão por abusos de poder, uma sentença que foi sempre considerada pela Corte Europeia dos Direitos Humanos como meramente política, destinada a afastá-la do cenário político nacional. Depois de ver a de-penalização pelo parlamento, que marcou eleições para o dia 25 de Maio, ela afirmou: «Eu me candidatarei».
O novo figurino político ucraniano filo-ocidental e pró-integração na UE, como de resto foi assinalado pelo Arseni Yatseniouk seja durante o discurso de tomada de posse do seu governo no parlamento, como também durante a sua visita à Casa Branca – dizendo claramente que a Ucrânia integrará a UE – , levou, como é óbvio, a mudança radical da política externa da Rússia em relação a Ucrânia, em particular, e por arrasto, em relação a UE e aos EUA. O ínvio de 16 mil militares a Crimeia, aproveitando-se do sentimento filo-russo de uma região que conta com 60% de população de etnia russa, provocou (e provoca) contestação da comunidade internacional pró-ocidente e do Conselho de Segurança ONU, considerando-o como uma invasão militar contra um Estado soberano, uma violação dos princípios da Carta da ONU e do direito internacional, ao que o Embaixador da Rússia na ONU, Vitaly Churkin respondeu: «é um pedido do presidente Yanukovich».
Segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov, a presença de tropas russas na região visa garantir a segurança aos cidadãos russófonos da região. De facto, com a decadência da ditadura de Yanukovich – como a designou Yulia Tymoshenko -, assistiu-se a ocupação e controlo da sede do parlamento local por militares presumivelmente russos ou russófonos da região, assim como o aeroporto, içando a bandeira russa. Para agravar a tensão,a 6 de Março o parlamento da Crimeia votou a unanimidade o pedido de adesão à Rússia que poderá ser(foi) aprovado no referendum de 16 de Março, considerado pelas autoridades de Kiev e ocidentais de ilegal, mas visto pela Rússia como perfeitamente alinhado nos parâmetros do direito internacional (principio wilsoniano de autodeterminação dos povos). A menos que acontecesse um milagre, os cerca de 60% de russófonos votaram favoráveis a secessão de Crimeia da Ucrânia e a sua integração na Rússia, voltando assim a formula de 1954 quando a então província da Crimeia, parte da URSS desde 1944, foi anexada a RSS da Ucrânia por Nikita Kruscev, uma decisão que lhe rendeu, na altura, pesadas criticas. A Rússia joga aqui uma cartada realístico-geopolítica muito interessante do ponto de vista da weltpolitik, comparável àquela de Guilhereme II, em finais do século XIX.
A presença de militares russos na Crimeia e o apoio da Rússia ao referendum de 16 de Março esteve na base de um confronto Este-Oeste ao estilo da Guerra Fria, que por agora vai sendo de Soft Power, implicando imposição de sanções económicas contra a Rússia e esta contra a Ucrânia e Ocidente. Segundo John Kerry, «a Rússia pode invadir a Crimeia, mas acabará por isolar-se. Pagaria o preço a sua economia, as suas empresas, os seus cidadãos comuns, isolando-se do cenário internacional depois de ter gasto 60 mil milhões de dólares com os jogos olímpicos de Sochi para relançar a sua própria imagem». Durante a primeira conferênça de imprensa desde o início da crise, a isso, Putin respondeu «aqueles que querem sancionar-nos pagarão caro. Hoje todos dependem de todos, tudo é ligado,podemos provocar danos uns contra os outros».
Na sequência, o mercado financeiro viu-se afectado, com a Bolsa de Mosca a abrir perdendo mais de 6% e com a moeda Rubro que tende a valorizar-se. Esta situação, levou o Banco Central russo a aumentar a taxa de interesses de 5,5 a 7% para evitar «riscos de inflação e instabilidade financeira ligada ao aumento da volatilidade dos mercados financeiros»(9). Um dado de facto económico, é que com aumento da taxa de interesse de um país, diminui também a atractividade ao investimento, sobretudo estrangeiro. Não é tema para aqui, mas hoje os chamados BRICS já não representam mais os principais destinatários do IDE e fluxos de capital estrangeiro, verificando-se o retorno dos mesmos aos mercados europeus e que contribuem a retoma económica de países como Espanha e Itália.
Com desvalorização da Grivnia (moeda ucraniana), com perspectivas negativas de crescimento económico, cujo débito público é, segundo Euronews, igual a 43% do PIB e o rebaixamento de níveis de confiança para o investimento, veio a agravar o quadro a decisão de Gazprom de retirar os descontos aos preços de gás a partir de Abril e cobrar as novas autoridades de Kiev a dívida estimada em 1,5 mil milhões de dólares(10). Face a isso, a Administração Obama anunciou o pacote de subsídio a energia para a Ucrânia de 1 mil milhões de dólares (11). No entanto, como era previsível, a UE aprovou uma ajuda financeira a Ucrânia estimada em 15 mil milhões de dólares, uma espécie de contraste ao pacote de empréstimos prometido por Putin a Yanukovich.
Mas de sanções económicas não é absolutamente tudo.A União Europeia aprovou o congelamento de bens de Estados indevidamente apropriados por 18 indivíduos ligados ao ex regime de Yanukovich possuídos no território da União. Na mesma senda, o Presidente Obama aprovou um Executive Order que autoriza sanções contra indivíduos responsáveis pela violação da soberania e integridade territorial da Ucrânia e roubo de bens do povo ucraniano. Porém, os parlamentares russos estarão a desenhar uma proposta de lei que autorizara as autoridades de Moscovo a confiscar bens pertencentes a empresas estado-unidenses e europeias se muitas dessas sanções forem efectivamente aplicadas contra a Rússia, para além da possibilidade de abandono do uso de dólar pelas autoridades russas. A efectividade de sanções contra a Rússia era prevista para a segunda-feira, 17 de Março.
Por conseguinte, enquanto as relações Rússia-Ocidente continuarem no Primeiro Cenário (abordado aqui anteriormente), em que se assiste a aplicação de sanções económicas da parte da UE/EUA contra a Rússia, que por sua vez continua a jogar a cartada do peso energético, aumentando, por exemplo, o preço de gás à Ucrânia em 40%, da qual já retirou a Crimeia, o confronto entre as duas partes prevalecerá ao nível do Soft Power.
Note:
8. Cfr. http://www.rainews.it/dl/rainews/articoli/Ucraina-cosa-prevedono-gli-accordi-del-21-febbraio-90b6d931-72c4-4579-9a04-b69d5dc25c4f.html?refresh_ce . Acesso Março 2014.
9. Cfr.http://www.internazionale.it/news/ucraina/2014/03/03/la-diplomazia-al-lavoro-per-scongiurare-la-guerra/. Acesso Março 2014.
10. Cfr. http://www.reuters.com/article/2014/03/04/ukraine-crisis-gazprom-idUSL6N0M11Q520140304. Acesso Abril 2014.
11. Cfr http://www.cfr.org/about/newsletters/archive/newsletter/n1754. Acesso Abril 2014.